A integração dos riscos psicossociais ao Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) ainda enfrenta barreiras significativas nas empresas, apesar de sua crescente relevância para a saúde e segurança no trabalho. Segundo a psicóloga Fernanda Guilloux, especialista em segurança do trabalho com 18 anos de experiência, a principal dificuldade reside na compreensão de que riscos psicossociais são, intrinsecamente, riscos ocupacionais, demandando a mesma atenção e tratamento dispensados aos perigos físicos, biológicos, de acidentes ou químicos. “Percebo certa resistência porque, muitas vezes, esses fatores parecem ‘subjetivos demais’, difíceis de medir. E aí acabam ficando de fora do GRO”, explica Guilloux.
A falta de preparo para desenvolver programas específicos que integrem a saúde mental ao cotidiano da segurança do trabalho também é apontada como um obstáculo. Contudo, Guilloux enfatiza que ações estruturadas e contínuas, com orientação adequada, podem efetivamente identificar, planejar intervenções e acompanhar os resultados relacionados aos riscos psicossociais. “O desafio é sair da teoria e colocar em prática de forma estruturada — e é aí que entra o papel de profissionais que consigam fazer essa ponte entre técnica e cuidado humano”, afirma.
Mas, afinal, o que são riscos psicossociais? Para Fernanda Guilloux, a definição prática e acessível para as empresas engloba todos os aspectos relacionados à organização do trabalho, às relações interpessoais e ao ambiente organizacional que podem impactar a saúde mental e emocional dos trabalhadores. “Excesso de cobrança, metas inalcançáveis, comunicação falha, falta de reconhecimento, assédio, insegurança quanto ao emprego — tudo isso impacta diretamente o bem-estar e pode gerar adoecimento”, elenca. A relevância desses riscos para a saúde e segurança ocupacional é inegável, influenciando diretamente a produtividade, o clima organizacional e os índices de absenteísmo e presenteísmo. “Cuidar da saúde psicológica também é cuidar da segurança do trabalho”, resume.
A especialista também aponta três equívocos recorrentes nas empresas em relação à identificação e avaliação desses riscos: a crença de que é esponsabilidade exclusiva do RH ou da psicologia, o tratamento como eventos isolados em vez de parte de um contexto organizacional, e a ideia de que conversas informais substituem métodos estruturados de diagnóstico.
A atuação integrada entre a psicologia e a segurança do trabalho surge como um caminho promissor para um ambiente mais saudável e produtivo. Segundo Guilloux, essa união permite uma visão mais completa do ambiente de trabalho, onde a segurança foca na prevenção de acidentes e saúde física, enquanto a psicologia identifica fatores emocionais, comportamentais e sociais. “Juntas, essas áreas conseguem mapear com mais precisão os riscos psicossociais e propor estratégias preventivas”, explica, citando programas como rodas de conversa, escuta ativa, treinamentos de liderança humanizada e espaços seguros para diálogo.
Entre as estratégias e ferramentas eficazes para mapear e avaliar esses riscos, a psicóloga destaca a aplicação de questionários validados como o COPSOQ, entrevistas estruturadas, grupos focais e observações in loco. A escuta ativa e o envolvimento dos trabalhadores no processo são considerados essenciais, assim como a continuidade do programa de avaliação e ajuste das ações.
Para Fernanda Guilloux, o GRO representa uma oportunidade valiosa para elevar a saúde mental ao centro das estratégias de gestão, transcendendo a mera obrigação legal. “Quando bem aplicado, ele permite que as empresas enxerguem os riscos psicossociais como parte integrante da saúde e segurança do trabalho, e não como algo à parte”, afirma, ressaltando o potencial para desenvolver programas preventivos e promover uma cultura organizacional mais saudável.
A especialista constata que os riscos psicossociais ainda são negligenciados em muitas empresas, frequentemente por falta de informação ou dificuldade em identificar e lidar com esses fatores. “É comum que o foco fique em indicadores mais visíveis, como acidentes ou afastamentos, e o impacto emocional, relacional e organizacional acabe sendo deixado de lado”, lamenta.
Em termos de ações preventivas, Guilloux enfatiza a importância de integrar essas práticas à rotina da empresa, com a liderança desempenhando um papel crucial. “Uma equipe saudável geralmente tem por trás uma liderança que sabe escutar, orientar e apoiar. Por isso, um dos primeiros passos que recomendo é investir no fortalecimento das lideranças”, aconselha. Ferramentas como escuta ativa estruturada, análise de clima e rodas de conversa também são mencionadas como eficazes para identificar sinais precocemente.
A sensibilização das lideranças é apontada como fundamental para que assumam um papel mais ativo na prevenção. A psicóloga sugere utilizar exemplos reais e dados para ilustrar o impacto dos riscos psicossociais, além de propor vivências e treinamentos que promovam a empatia e a reflexão sobre suas posturas.
Por fim, Fernanda Guilloux oferece um conselho valioso para os profissionais de SST: “Se permitam olhar para além dos quadros normativos e incluam o fator humano nas análises. Estudar sobre comportamento, relações interpessoais e saúde emocional faz toda diferença”. Ela encoraja a busca por formação complementar e a troca de experiências com profissionais da psicologia como caminhos para uma atuação mais completa e impactante.