A promulgação da Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe profundas alterações nas relações de trabalho no Brasil, sendo um dos pilares a prevalência do negociado sobre o legislado. Para entender os impactos dessa mudança, o advogado Julio Capela, especialista em direito do trabalho, compartilhou suas perspectivas em entrevista exclusiva.
Para Capela, a principal consequência da reforma foi a concessão de “autonomia” para que empregados e empregadores pudessem negociar diretamente as condições de trabalho, diminuindo a intervenção estatal e, consequentemente, gerando maior segurança jurídica diante das decisões da Justiça do Trabalho. Segundo ele, as novas regras abriram espaço para a negociação de temas antes considerados imutáveis, como o enquadramento do grau de insalubridade e a redução do intervalo intrajornada. Contudo, o advogado reconhece que essa possibilidade levantou debates sobre a potencial redução da garantia de direitos fundamentais dos trabalhadores.
Apesar das controvérsias, Capela avalia que a reforma permitiu a construção de condições de trabalho mais justas e competitivas, adaptadas à realidade econômica e às dinâmicas atuais entre empregados e empregadores. Ele argumenta que a legislação trouxe um equilíbrio maior entre os sindicatos patronais e dos trabalhadores.
No que tange à interpretação judicial, o advogado afirma que os tribunais têm respeitado o princípio do negociado sobre o legislado, desde que a legalidade das cláusulas seja observada, com base nos artigos 611-A e 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele cita o princípio da “comutatividade”, que busca o equilíbrio entre salários, benefícios e as atividades desempenhadas pelos trabalhadores. Para Capela, o objetivo das negociações coletivas atuais é o equilíbrio de responsabilidades entre as partes, com a concessão de um direito sendo acompanhada de uma compensação correspondente em outra cláusula, visando a satisfação de ambos os lados.
Entretanto, o especialista ressalta que a autonomia negocial não pode ser considerada absoluta, especialmente quando se desvia do objetivo primordial de assegurar os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores e a melhoria de sua condição social, conforme previsto no artigo 7º da Constituição Federal.
Apesar das nuances, Capela acredita que atualmente existe segurança jurídica para as partes negociarem com base nos artigos 611-A e 611-B da CLT, um entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 1046 em 2022. Isso, segundo ele, fortalece o princípio da autonomia privada coletiva, permitindo que as partes estabeleçam, por meio do processo negocial, as normas que regerão suas empresas e categorias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Questionado sobre os temas mais desafiadores negociados recentemente, Capela destaca o trabalho em “home office” e suas diversas implicações para empregados e empregadores, por ser uma realidade relativamente nova para muitas empresas. Ele também menciona as negociações envolvendo a antecipação de férias e a redução salarial proporcional à redução da jornada de trabalho.
Em relação aos argumentos a favor e contra a flexibilização, o advogado se posiciona favoravelmente, considerando a reforma como uma atualização da legislação trabalhista, tornando-a mais flexível e adaptada às necessidades do mercado e, principalmente, das empresas.
Olhando para o futuro da negociação coletiva no Brasil, Capela a enxerga como uma ferramenta vital para o ajuste e atualização das normas trabalhistas à realidade econômica e social contemporânea. Ele acredita que as negociações permitem que empregadores e empregados construam conjuntamente um ambiente de trabalho produtivo, justo e adaptável às demandas do mercado. Para isso, ele defende a continuidade da evolução das mudanças iniciadas pela reforma trabalhista, acompanhando as transformações nas relações de trabalho.