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Professor Lélio Brito da UFRGS defende política pública para pavimentos mais robustos

A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) acaba de dar início a mais uma pesquisa sobre a qualidade das rodovias do Brasil. Em sua última edição, o levantamento demonstrou que 70% malha rodoviária brasileira segue ruim, perigosa e, em vários Estados, com trechos quase intrafegáveis.  Apenas para recuperar as estradas degradadas seria necessário um investimento de cerca de R$ 94,93 bilhões, segundo estimativa da entidade. Nesta entrevista a  Milton Wells o professor Lélio Antônio Teixeira Brito, da UFRGS, um dos maiores especialistas do país em  projetos de pavimentos e misturas asfálticas, defende a adoção de uma política pública voltada para pavimentos mais robustos com  menores intervenções em curto prazo.

Acompanhe:

A pesquisa da CNT em todos os anos mostra que o estado das estradas em sua maioria é ruim péssimo. Como o senhor avalia esse quadro das rodovias do Brasil?

Em primeiro lugar isso é uma questão de política pública Por que eu digo isso?  Pavimentos costumam ser caros.  O custo de uma rodovia é alto. Para uma ideia, a duplicação da BR-116 na direção de Pelotas, para construir uma pista nova apenas deve estar custando entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões o quilômetro. Se pegarmos a obra da BR- 448, que foi uma das últimas obras de grande porte no RS, custou cerca de R$ 50 milhões o quilômetro. Foi uma obra de R$ 1 bilhão de 22 quilômetros.  A BR-448 teve esse custo porque houve muitas obras de arte especial, como pontes, viadutos. Foi uma obra complexa.  Se falarmos de recapeamento de 5 cm de uma rodovia, vamos falar de  R$ 500 mil a R$ 1 milhão o quilômetro. Você precisa de uma politica pública que esteja imbuída no conceito de manter a conservação das rodovias. Fala-se também em outras deficiências técnicas, formação de pessoas, limitações de disponibilidade de materiais de alta qualidade. Temos histórico no Brasil hoje em que trabalhamos com obras de forma limitada do ponto de vista de tecnologia. Também é certo que as concessões rodoviárias passaram a apresentar tecnologias mais novas. Mas com toda a certeza esse cenário que mostra apenas 10% das rodovias pavimentadas e um percentual grande de rodovias ruins, no meu ponto de vista é o chamado cobertor curto. Como os recursos são insuficientes, acabamos aumentando a área com manutenção mais leve, em vez de optar por um investimento mais duradouro em determinado ponto. Então é preciso decidir.  Você faz um investimento duradouro em determinado ponto, ou leve numa quantidade maior. Esse é um aspecto da política pública.

Qual a política pública que o senhor defende?

No meu pensamento, nós deveríamos aumentar o volume de investimento financeiro na área rodoviária, o que é difícil.  Eu acredito que hoje já está em andamento no Dnit uma mudança de filosofia onde está se enxergando que obras maiores devem ter ciclos de vida maiores. Se pegarmos obras dos últimos anos podemos perceber pavimentos mais robustos, com menores intervenções em curto prazo. A BR-101/SC de meados de 2010 foi a primeira grande obra que se trabalhou com mudança de filosofia, com pavimentos mais robustos. Essa é uma mudança de política pública. Daqui para frente vamos trabalhar com áreas novas com necessidade de intervenções menores para  atender essas demandas.

Outra opção é intensificar os investimentos privados?

Sem dúvida. Parece que é bastante evidente que as pessoas preferem pagar o pedágio a pegar uma rodovia esburacada. Esse é o caminho que tem dado certo, com as rodovias concedidas crescendo, duplicando seus investimentos nos últimos anos. Não seria o caminho preferido, mas é o que nós temos. É o famoso remédio amargo.  Não gostamos de tomar, mas sabemos que é preciso.

Agora com o free flow deve ficar mais acessível?

Com isso, as pessoas irão pagar por aquilo que realmente utilizam. Se pegarmos a praça de pedágio do KM 77 da Freeway ela fazia as pessoas que moram em Gravataí pagar o pedágio e sair logo depois. Com a mudança do local da praça, desonerou todo o tráfego. Então temos um grande número de usuários que usam a Freeway e não pagam esse pedágio. O que o freeflow tem intenção é de dar a capacidade do usuário de  pagar pelo seu real uso. Se eu rodar 10 k, pago 10k. Se rodei 20 km, pago 20 km. Essa seria uma ideia futura que será viável apenas com o freeflow que se inicia. Neste momento, o freeflow é a retirada da praça de pedágio que diminuiu o seu congestionamento. A sua intenção, no entanto, é o de ter o pagamento quilométrico no longo prazo de acordo com o uso da via. Aí, sim, devemos ter uma melhora mais efetiva  no equilíbrio das concessões rodoviárias.

O fato é que não há fiscalização efetiva no uso das rodovias?

Isso é um tema que estamos significativamente inseridos no contexto nacional. Em termos de cargas, talvez o nosso laboratório, LAPAV/UFRGS, é um dos que tenha mais conhecimento no Brasil. O que temos observado em relação a isso: Cargas fazem parte de um problema, sem nenhuma dúvida.  O ponto chave é a forma que estamos contabilizando as cargas nas rodovias.  No nosso entendimento, existe um aumento de cerca de 10% no custo médio de manutenção em números estimados. Claro que depende do tipo de rodovia e de pavimento. Por que esse número não é maior?  Esse número não é maior porque existem veículos que estão abaixo da carga máxima legal.  Os sobrecarregados existem, mas compõe uma parcela menor, algo em torno de 5% da frota. Mesmo esses 5%  sobrecarregados geram aumento do custo de manutenção, sem dúvida. Acho que a fiscalização precisa ser intensificada. Da mesma forma que o free flow no controle de pedágio, existe uma tecnologia formada por sensores que se insere no pavimento capaz de pesar os veículos na velocidade operacional sem necessidade de retirá-los para uma balança rodoviária, a tecnologia chamada de Weigh in motion (WIM). Essas tecnologias também estão sendo implantadas no Brasil. ANTT deu passo importante em 2023 nesse aspecto de controle de carga.

Em relação à qualidade dos materiais utilizados na construção de rodovias no Brasil, qual a sua visão?

O principal produto no que se refere às rodovias é o asfalto.  Os ligantes convencionais não atendem mais as nossas vias de hoje. Aquele mesmo CAP utilizado no século passado não atende, porque hoje temos cargas muito mais pesadas e com volume de movimento e frequência muito maior. Precisamos trabalhar com asfaltos modificados, com adição de polímeros ou borracha. Esses polímeros que utilizamos na sua maioria são aditivos de polímeros importados. Vale a pena gastar um pouco mais para aumentar a qualidade do produto?  Sim, em nosso entendimento, asfaltos modificados geram pavimentos de melhor qualidade. Mas precisamos trabalhar com avaliação técnico-financeira, o que deveria fazer parte de uma política pública. Com melhores investimentos em infraestrutura, o Brasil pode reduzir custos ao usuário e contribuir para o desenvolvimento econômico.