O advogado Fernando Vernalha, especialista em infraestrutura, em entrevista a Milton Wells afirmou que os eventos de força maior como no caso das inundações que estão impedindo a retomada do aeroporto Salgadio Filho, de Porto Alegre, ensejam o reequilíbrio dos contratos da concessionária.
Nesses casos, segundo ele, o primeiro ponto a ser analisado é identificar, nos contratos de concessão o que define a sua matriz de risco. Como regra geral, a própria legislação aloca os riscos dos eventos de força maior como de responsabilidade do poder concedente, dado que se trata de um risco em que não é possível de ser controlado pela concessionária porque é imprevisível e de consequências incalculáveis. “Por causa disso, a própria legislação aloca a responsabilidade do poder público no sentido de permitir o reequilíbrio contratual”, observa.
De acordo com Vernalha, a concessionária terá direito a um equilíbrio econômico financeiro segundo a metodologia definida em contrato que disciplina a força maior. Ou seja, haverá uma compensação assegurada pelo poder concedente para cobrir todos os prejuízos suportados pela concessionária em razão do evento climático. E essa compensação se fará em conformidade com a metodologia definida no contrato. “Como regra, essa compensação é integral, de uma forma que cubra todos os prejuízos suportados pelo concessionário”, assinala Vernalha.
Tempo de retomada das atividades
Além dos custos de reconstrução do aeroporto, a concessionária também tem garantido o direito de ressarcimento pelo tempo necessário para a retomada das atividades, afirma o especialista. “No caso do período em que o concessionário deixou de gerar receita, devido à quebra de demanda derivada de evento climático que acarretou a paralização da prestação de serviços, a concessionária deve ser compensada por meio de reequilíbrio contratual, porque os empreendimentos de concessão são precificados a partir do fluxo de caixa por todo o período em que vai ser executado o serviço”, assinala Vernalha.
Ele continua: “O prazo de contrato de concessão é calculado exatamente para possibilitar a amortização de todos os investimentos que são feitos pelo concessionário, geralmente no período inicial do contrato. Por isso, é preciso que o prazo de exploração de serviço integre uma equação financeira do projeto. A compensação deverá abranger todo o período em que o aeroporto deixou de operar, devido à perda de demanda “.
Sobre o prazo de compensação de recursos atinentes ao reequilíbrio financeiro, Vernalha observa que dependerá da tramitação. O ponto inicial inclui a caracterização do direito do equilíbrio, seguido pela quantificação do reequilíbrio e as formas de compensação. Ou seja, a moeda que será utilizada para compensar o concessionário. “O aumento da tarifa, aumento do prazo e suspensão dos investimentos são as possibilidades de reequilíbrio dos contratos, em um processo que geralmente leva tempo, dado que são análises de complexidade”.
Reequilíbrio cautelar
O certo é que os recursos do reequilíbrio não serão repassados no curtíssimo prazo, diz Vernalha. “Será necessário um processo destinado a proceder todas as análises para definir todas as questões. Agora, em certos casos, quando o concessionário enfrenta um impacto financeiro, como o desvio no fluxo de caixa do empreendimento , o poder concedente pode reequilibrar cautelarmente o contrato por meio do reequilíbrio cautelar”, afirma. “Há, no Brasil, legislações que acolhem essa hipótese do reequilíbrio cautelar, surgidas especialmente durante a pandemia, em que vários concessionários tiveram impactos financeiros muito significativos no fluxo de caixa do empreendimento e precisaram reequilíbrios mais urgentes, sem aguardar toda a tramitação do processo . O reequilíbrio cautelar é provisório e ao final do processo é feita uma conciliação para ver o valor final do equilíbrio contratual. No caso do aeroporto de Porto Alegre é recomendável, dado à quebra do fluxo de caixa do empreendimento devido à sua inatividade”.
Pandemia
Vernalha também chama a atenção para os reequilíbrios relativos à pandemia ainda não compensados o que também ocorre com a concessionária do aeroporto Salgado Filho. “ A pandemia deixou um espólio de processos de reequilíbrios não concluídos até aqui, e isso é muito sério porque capacidade das administrações públicas de reequilibrar os contratos é determinante na construção de um ambiente jurídico institucional favorável à atração de investimentos de longo prazo. Porque ausência de reequilíbrio dos contratos significa quebra de contrato pelo governo, e isso passa uma sinalização muito ruim para o mercado e os investidores”.
Confiança
O Brasil precisa impulsionar uma agenda de investimentos para a infra estrutura, muito significativos, diz o advogado . “Temos investido ao longo dos últimos anos algo próximo a 2% do PIB e precisamos chegar 4 a 5% do PIB para infraestrutura que é o nível mais próximo da média mundial dos países emergentes. Para isso a gente precisa um ambiente jurídico e regulatório institucional que ajude o país a trazer esse investimentos que são de longo prazo e dependem da confiança do investidor no país. Quando o governo descumpre um contrato é evidente que acaba prejudicando a construção de um ambiente jurídico que permita ao setor privado investir em projetos em infraestrutura”.
Ele relata ainda que no contexto da pandemia, um grande número de processos de reequilíbrio contratual ainda não foram cumpridos , o que é muito preocupante e revela a incapacidade de muitas agências reguladoras. “ O reequilíbrio contratual é a garantia que o concessionário e os investidores dispõem ao assumir riscos e que será preservada. É por isso que a capacidade dos governos em implementar equilíbrios contratuais no prazo adequado, é fator determinante para um ambiente jurídico institucional que permita investimentos de longo prazo na infraestrutura do país”.