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NOTA TÉCNICA: PONTE SOBRE O RIO DAS ANTAS

Porto Alegre, 05 de outubro de 2023

 

As regiões do Vale do Taquari e do Vale do rio das Antas foram assoladas por volumes históricos de chuvas no mês de setembro de 2023. O volume torrencial ocasionou enchentes e transbordo de rios, ocasionando o rompimento de diversas pontes na região.

Dentre as obras atingidas está a Ponte de Ferro, localizada entre os municípios de Nova Roma do Sul e Farroupilha.

Figura 1: ruinas da Ponte de ferro sobre o rio das Antas

Figura 2: pilar central em pedra argamassada

 

Logo após o incidente, o Departamento Estadual de Estradas e Rodagem – DAER/RS iniciou, na mesma semana, os trabalhos de levantamento de campo e confecção do anteprojeto de uma nova obra, em área próxima à ponte existente. O trabalho visa a contratação emergencial da construção da nova ponte.

 

Figura 3: projeto geometrico e de terraplanagem para a nova ponte sobre o rio das Antas

 

O SICEPOT-RS, por meio de seu corpo técnico, apresentou ao DAER, ainda no mês de setembro, diversas opções para a construção da nova ponte segundo a metodologia de construção acelerada, visando a agilidade na definição da tipologia a ser adotada e o breve início dos trabalhos.

Os trabalhos de anteprojeto estão hoje em fase final por parte do órgão. Nas duas últimas semanas surge, por parte da Prefeitura Municipal de Nova Roma do Sul, a veiculação na mídia da intenção, com auxílio do empresariado local, de reconstrução da superestrutura da ponte, em modelo similar à obra histórica em treliças metálicas, no mesmo local de implantação original e aproveitando o pilar central e os encontros existentes remanescentes.

É notória a necessidade do restabelecimento do tráfego regional, que por ora traz prejuízos imensuráveis à população local. Foram realizadas, inclusive, diversas tentativas pelo DAER de implantação de ponte móvel emergencial com auxílio das forças armadas, sem sucesso devido ao tamanho dos vãos e pelas incertezas em relação à condição estrutural das peças remanescentes, principalmente o pilar central executado em pedras argamassadas.

Se faz louvável a intenção tanto da prefeitura como dos empresários locais na reconstrução de um dos símbolos do desenvolvimento local, muitos inclusive desembolsando recursos pessoais na empreitada pelo retorno de um dos símbolos da região, porém a iniciativa pode ser temerosa se não forem observados diversos requisitos de engenharia, conforme se verá.

Com a apresentação do cronograma de obras por parte da prefeitura, que visa a reconstrução da superestrutura da ponte em 5 meses, foi firmado termo de cooperação entre o município e o órgão visando assim o rapido restabelecimento da comunicação viária.

Com o termo de cooperação firmado, a necessidade de emergência para a reconstrução da nova ponte recai agora sobre a prefeitura, não mais sendo uteis os trabalhos até o momento realizados pelo órgão, dado que o novo traçado até então desenvolvido se situa ao lado da ponte existente, não fazendo sentido a construção de duas obras novas lado a lado.

Dito isso, o objetivo deste informe é apresentar, de forma técnica, por meio de consulta aos especialistas em infraestrutura do corpo técnico das empresas que compõem o SICEPOT-RS, as condições necessárias para a plena realização do objeto proposto pela prefeitura.

 

  1. Hidrologia:

 

Através do vasto material visual disponível, percebe-se que o nivel da enchente que levou ao colapso da estrutura ultrapassou a cota superior do tabuleiro da ponte. Para a reutilização dos encontros e do pilar central em pedra argamassada se faz ímpar a necessidade de alteamento tanto dos encontros como do pilar central de forma a oferecer uma folga mínima de 1m entre a estrutura e a linha dágua. No caso da possibilidade de carreamento de material como árvores e entulhos, a folga mínima, segundo o manual de hidrologia do DNIT, deverá ser de 2m, o que se apresenta como mais indicado para o regime do rio. O alteamento proposto pela prefeitura é de 1m acima do topo do pilar existente, o que reduz a segurança durante possivel evento de cheia. Ao contrário, a proposição em desenvolvimento pelo DAER prevê de forma correta a elevação dos aterros dos acessos da nova ponte, proporcionando a folga mínima requerida e normatizara pelo DNIT, referência nacional pra construção de pontes.

 

  1. Capacidade de carga:

 

A ponte que entrou em colapso foi construída no final da década de 20 e inaugurada em 1930, sendo que na epoca era utilizado como referencial para carga móvel a classe 24 toneladas. Ou seja, toda a estrutura incluindo pilares e fundações foi desenvolvida segundo os critérios da epoca. A nova ponte proposta pela prefeitura prevê a atualização da carga móvel para o padrão vigente (classe 45 toneladas), porém apenas para a superestrutura. Caso não haja a avaliação estrutural ou o reforço de pilares e fundações, é reduzida drasticamente a segurança para seus usuários quando do tráfego de veículos pesados. Em sentido contrário , visando atendimento às normas pertinentes em sua plenitude, a ponte proposta pelo DAER será toda confeccionada segundo o padrão atual de carga (infra, medo e superestrutura).

 

  1. Largura:

 

A ponte proposta pela prefeitura segue o modelo anterior, em faixa simples, ou seja, não aumenta os níveis de serviço para o tráfego local. Em se tratando de uma obra nova em rodovia estadual, difere do padrão atual de implantação em duas faixas, levando ao esgotamento do tráfego em período bastante inferior. A nova ponte proposta pelo DAER, ao contrário da ponte existente construída no década de 20 e inaugurada em 1930, segue as mais modernas técnicas de construção disponíveis no mercado, possuindo duas faixas de rolamento, acostamentos e barreiras de segurança, perfazendo uma largura total de 12,8m.

 

  1. Avaliação estrutural:

 

Entendidas as necessidades de restabelecimento da comunicação viária local e definida a tipologia da nova estrutura, a principal necessidade técnica para a correta e segura implantação da superestrutura sobre os apoios existentes proposta pela prefeitura é a plena certeza da integridade estrutural dos apoios remanescentes. A quantidade de energia imposta aos apoios existentes durante o evento de cheia foi superior a qualquer parâmetro de projeto conhecido para aplicação de empuxos hidrodinâmicos. Além da força de arrasto do próprio rio em velocidade acima do normal, houve, durante o evento, o choque de árvores e detritos sobre os elementos. O principal elemento a ser avaliado é o pilar central, formado por pedras argamassadas, que possui grande altura (perto de 20m). Como não é armado, o empuxo hidrodinâmico fatalmente gera esforços de tração na face à montante, equilibrado apenas pelo peso próprio do elemento. Nesse diapasão, é premente a necessidade de avaliação da estrutura para verificação se, durante o evento de cheia, houve a ruptura local das camadas de argamassa, mascaradas após o evento pelo efeito do peso próprio.

Figura 4: pilar existente com altura de aproximadamente 20m

 

Tal avaliação deverá seguir a norma NBR 9452/2019 – Inspeção de pontes, viadutos e passarelas de concreto – procedimento. A inspeção deverá se ater aos principais elementos remanescentes, sendo que percebidas patologias, mesmo que leves sejam, devem ser adotadas providências necessárias:

 

  • Interdição;
  • Reforço ou reparo de emergência;
  • Alteração de sobrecarga;
  • Limite de velocidade;
  • Observação permanente;
  • Demolição;
  • Controle de tráfego

 

Caso a inspeção apresente anomalias graves, deverá ser complementada a avaliação através de cálculo estrutural, prova de carga, ensaios tecnológicos como ultrassom, bem como inspeção subaquática para avaliação da integridade das fundações.

Além dos procedimentos de norma acima citados, se faz necessária uma qualificação mínima para o avaliador, indicada no Manual de inspeção de pontes rodoviárias – DNIT pág 47. Por tratar-se de estrutura especial (não convencional em pedra argamassada) a qualificação mínima deverá ser de:

 

  • Minimo de cinco anos de experiencia em projeto, execução e restauração de pontes.
  • Minimo de dez anos de experiencia em inspeção de pontes.

 

Portanto, mesmo restando óbvia a necessidade de reconstrução das pontes que sofreram colapso, não há a menor possibilidade da negligência técnica na confecção dos trabalhos de projeto e execução sem o atendimento dos normativos mínimos requeridos, sob pena da casualidade futura, até mesmo atentando contra a segurança e vida dos usuários, fato que não ocorreu mesmo com a violência dos eventos que atingiram a ponte.

O SICEPOT-RS, portanto, alerta e solicita a adequação dos métodos e processos envolvidos para que a Prefeitura Municipal de Nova Roma siga o rito técnico e legal e necessário ao desenvolvimento e execução da nova estrutura pretendida, tão necessária à sua comunidade, ou, em última instância , não recomendada, mas aceitável, que reavalie tecnicamente a decisão unilateral pela construção da ponte e disponha-se a atuar de forma bilateral com o departamento de estradas e rodagem na confecção e execução de uma obra mais coerente e mais segura para seus próprios habitantes, elidindo os riscos ora assumidos, por força da decisão tomada, que podem gerar uma catástrofe futura.

 

Eng. Rafael Sacchi

Presidente

Autor: SICEPOT-RS