Claudio de Moura Castro e Carlos A. Primo Braga
Existe um amplo consenso acerca da necessidade de melhorar a produtividade do trabalho no Brasil. Ela cresceu a uma taxa média de 4% ao ano, de 1950 a 1980. Mas desde então tem crescido a menos de 1% ao ano, com a honrosa exceção do agronegócio.
Isso se deve, em parte, à fraqueza do sistema educacional, em que pese havermos universalizado o acesso à educação básica. Pesa também a taxa medíocre de investimento nos últimos decênios, com uma relação investimento/PIB da ordem de 17% ao ano. Compare-se com os 32% da Índia e os 44% da China. Também tem sido limitada a inovação tecnológica, a acumulação de conhecimento institucional e as melhorias nas práticas de gestão, fatores críticos para o aumento da produtividade.
Além disso, o labiríntico ambiente de negócios fomenta a informalidade e, por conseguinte, a baixa produtividade (custo Brasil). Essa perspectiva macro ilumina a dimensão do problema. Porém, esconde a essência da improdutividade. Quais os atos, gestos e decisões cujo somatório compromete a produtividade? Sem entender o seu nível molecular, é difícil lutar contra ela.
Nas análises ocupacionais, fracionam-se as ocupações em suas tarefas mais elementares, analisando a natureza de cada uma delas e as competências necessárias para a sua consecução – tais como destreza, abstração, conhecimento técnico, etc.
Com base na introspecção de um dos autores deste artigo, que é marceneiro amador, simulamos uma tal análise para a profissão de marceneiro tradicional. Na fabricação de uma cadeira, por exemplo, podemos listar todas as tarefas necessárias, bem como as suas respectivas competências. Na fase inicial, é desenho, planejamento e escolha de técnicas. Já a fase de produção exige da mão de obra, sobretudo, destreza manual e experiência de trabalho. Isso, desde que os problemas de natureza mais abstrata ou conceitual possam ser resolvidos pela chefia.
Profissionalismo e dedicação vêm sempre de cima para baixo. E, se necessário, os chefes ensinam os “gestos profissionais”. Portanto, liderança e domínio do ofício são condições sine qua non para as chefias.
Apliquemos essas ideias a duas situações reais. A primeira é a oficina mecânica da Usina Queiroz Júnior, uma siderúrgica em Minas Gerais, produzindo gusa e fundidos de ferro e aço. Nos anos 50, lá trabalhavam cerca de 120 torneiros, soldadores, ajustadores e caldeireiros. À época, não havia sequer um operário com curso profissional. Todos aprenderam na própria oficina. No entanto, essa oficina tinha padrões técnicos próximos aos europeus. Como foi isso possível? Três pessoas fizeram a mágica. Jan Hasek, engenheiro-técnico checo que, além dos conhecimentos da profissão, manejava com perfeição uma lima ou um torno. Era autoritário, mas adorado por sua equipe. O segundo era Franz Hermann, um mestre mecânico alemão, um role model para todos. O terceiro era Fritz Boetger, ex-engenheiro de um estaleiro de submarinos. Seus bons exemplos forjaram o ambiente da oficina.
O segundo caso é a negação do primeiro. Trata-se da construção da casa de um dos autores. Como ele próprio trabalhou na obra (com as madeiras), pôde observar de perto os operários. O construtor era um engenheiro honesto, mas de perfil limitado, pois não dominava os ofícios de uma obra e faltavalhe liderança. Daí as frequentes desavenças com a equipe.
Os operários não tinham a competência ou o profissionalismo requeridos. E nem motivação para aprender. Como o engenheiro aceitava trabalho malfeito, faziam qualquer coisa para ver se passava.
A obra estava sempre imunda, os materiais esparramados pelo chão. O telhado da cozinha foi refeito quatro vezes. Quase todos os canos vazaram e as goteiras foram muitas. No caso da fossa, ninguém sabia qual dos cilindros vinha primeiro – saíram trocados.
Ainda que não possamos tratar os dois casos como evidência no sentido convencional, são dois exemplos do mundo real, representando duas situações polares.
A Mecânica mostra que é possível obter alta produtividade sem programas estruturados de formação profissional. Aprende-se tudo na oficina.
A grande diferença parece estar no lado da liderança. Os mecânicos tinham com quem aprender seus ofícios e um ambiente onde adquirir os valores do profissionalismo. Todos temiam os chefes, mas aceitavam suas exigências. Cada tarefa tinha um claro padrão de qualidade. Além disso, os operários eram orientados nas decisões mais complexas.
O contraste com a obra não poderia ser maior. Os operários viam o engenheiro como um adversário, não como um guia e um líder a ser seguido. As limitações de cada um ditavam a qualidade. Não havia clima para adquirir uma profissão. E seria sem sentido oferecer cursos para esse time.
Esse raciocínio nos conduz à hipótese da enorme importância da liderança, seja técnica, seja transmitindo os valores da profissão, seja pela sua legitimidade.
Apesar da parca evidência, sugerem-se algumas ideias. Parece que a improdutividade não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência. •
RESPECTIVAMENTE, PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO; E PH.D., PROFESSOR ASSOCIADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI DIRETOR DE POLÍTICA ECONÔMICA E DÍVIDA DO BANCO MUNDIAL
- O Estado de S. Paulo.